Christina Sharpe desvenda neste livro os vestígios das memórias negras escondidas numa História predominantemente branca.
Ao debruçar-se sobre os documentos históricos, a acadêmica estadunidense constata registros de pessoas sequestradas sob a condição de propriedade, mercadoria, carga transportada em navios para servir de mão de obra nas colônias, e, denuncia: tal narrativa persiste em acontecimentos recentes, como o terremoto do Haiti em 2010. Dificilmente nomeados, corpos negros são identificados por números e etiquetas e, em meio a situações adversas, ainda mais afastados do estatuto de sujeitos. Em seus estudos, a autora busca, portanto, uma nova forma de fazer história, desvelar a história já feita, lançando mão de todas as ferramentas disponíveis.
Por meio de romances, poemas, obras de arte, cinema e arquitetura, assim como de memórias individuais e familiares, a autora evoca neste livro os vestígios do sistema escravista na vida de pessoas negras e em toda uma sociedade moldada para desconfigurar seu sofrimento (ignorando-o, explorando suas consequências ou, mesmo, proliferando sem limites imagens de violência contra corpos negros). Em diálogo com escritoras como Toni Morrison e Saidiya Hartman, Sharpe desenterra um passado ainda impregnado nas relações sociais, nos laços familiares e em nossa própria subjetividade.
Tanto no antigo sistema de plantation como no atual mercado que exporta migrantes para trabalharem como mão de obra mal remunerada sem remuneração alguma, o pressuposto de vida sem valor está presente no cotidiano negro diaspórico. Políticas e costumes hostis, baseados em um imaginário que enxerga pessoas negras como mais violentas ou menos vulneráveis à dor, fazem delas vítimas de ações do Estado, por meio de instituições como a polícia e os hospitais. O trabalho de Sharpe joga luz nesse mecanismo de exclusão que perdura ainda hoje e serve de base para um sistema político e econômico que lucra, e muito, com os diversos tipos de violência contra corpos considerados desimportantes. A leitura deste livro ressalta a urgência de um trabalho coletivo de vigília, lembrança e cuidado para a construção de um espaço que não reproduza esses estigmas e permita o reconhecimento das feridas ainda abertas do holocausto da escravização negra.